Vídeo sob Demanda
Autor: Paulo Teixeira (PT/SP)
O QUE É VÍDEO SOB DEMANDA?
Com o desenvolvimento das plataformas digitais, novos serviços e facilidades são oferecidos diretamente pelas empresas a seus clientes. Entre essas novidades, estão as atividades de transmissão de conteúdo audiovisual por meio da internet sem o controle dos distribuidfores tradicionais, como as empresas de radiodifusão e teletransmissão.
Por estarem fora da estrutura tradicional, esses serviços são conhecidos como Over the Top (OTT) e abrangem desde os serviços de streaming de vídeos e música até os aplicativos de conversas de voz e troca de mensagem.
Um dos principais expoentes é o Serviço de Vídeo sob Demanda (VoD), existem três tipos desse serviço:
Subscription VoD: acesso a serviço de conteúdo, geralmente organizado na forma de catálogo, por meio de assinatura.
Transactional VoD: acesso a serviço de conteúdo por meio da contratação individual do título ou evento que pretende.
Advertising VoD: acesso a serviço de conteúdo de forma gratuita para os consumidores, sendo o serviço remunerado por meio da publicidade veiculada.
Ou seja, esse serviço tem natureza dinâmica e possibilita a disponibilização, gratuita ou remunerada, de conteúdos via internet mediante a demanda individual do usuário diante de um catálogo variado e volumoso onde e quando ele quiser, através da contratação avulsa ou assinatura.
COMO O SERVIÇO FUNCIONA?
Qual a Diferença com a Televisão?
As TVs e os serviços de VoD tem como diferenças principais a infraestrutura em que operam, o comportamento passivo ou ativo do consumidor e a forma de produção e distribuição do conteúdo produzido.
As TVs (i) controlam toda a infraestrutura de distribuição, promovendo inclusive o equipamento físico que viabiliza a transmissão a milhões de consumidores; (ii) exibem conteúdo em horários específicos, conforme a audiência; (iii) transmitem programação limitada, pois utilizam um único canal; (iv) transmitem a programação de forma contínua; e (v) transmitem o conteúdo para um consumidor passivo.
O VoD, por outro lado, (i) opera exclusivamente por meio da internet; (ii) opera em ambientes que não têm a restrição de espaço característica da TV por Assinatura, podendo, simultaneamente, transmitir inúmeros conteúdos diferentes para cada consumidor, inclusive repetindo-os; (iii) armazenam títulos com maior ou menor audiência, ampliando a variedade de conteúdos e viabilizando produtos personalizados aos consumidores; e (iv) transmitem o conteúdo para um consumidor ativo, que busca produtos específicos a qualquer horário.
O VoD Oferece Mais Conteúdo para o Cidadão
De maneira oposta, como o usuário tem um papel ativo na escolha da programação que irá assistir, o VoD disponibiliza uma vasta gama de opções, buscando misturar conteúdos que agradam uma ampla base de clientes de cada localidade e nicho de interesse. Com isso, o VoD é um verdadeiro mecanismo de distribuição democrática de conteúdo, tanto do lado dos produtores, quanto dos consumidores.
Os consumidores podem sempre encontrar conteúdos novos e independentes, inclusive sem grande audiência, mas que se tornam economicamente rentáveis para as plataformas devido à dinâmica do serviço. Diferentemente da TV, o insucesso de determinado título tem impacto econômico menor, uma vez que não se fala na perda de pontos de audiência e na necessidade de estratégias para vendas de espaços publicitários.
Os conteúdos culturais e esportivos transmitidos pelas plataformas eram antes financeiramente inacessíveis a uma parcela significativa da população brasileira. Ou seja, a tecnologia não apenas aumentou a disponibilidade, como viabilizou diferentes canais de escoamento de conteúdo direcionados às preferências individuais. Agora, o consumidor pode assistir diversos vídeos gratuitamente, contratar um único título de interesse ou ter acesso a um catálogo amplo de opções entre diferentes provedores.
A democratização do conteúdo dilui barreiras à entrada de conteúdos antes restritos a um público específico, diversificando e multiplicando o acesso para os consumidores com menores custos, mais escolha e mais conveniência. Tais elementos promovem todos um maior bem-estar do consumidor, conforme com os critérios de mensuração da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): concorrência e satisfação, tendo em vista preço e renda.
Como Fica o Mercado?
O Serviço VoD e os Serviços de TV Aberta ou por Assinatura não são rivais. Segundo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), não se identifica uma substitutibilidade entre os serviços. Muitas operadoras de televisão, inclusive, já possuem seus próprios VoD. Os vídeos sob demanda exercerem papel complementar e contributivo aos serviços de televisão ao estimularem o consumo geral de conteúdo audiovisual, aumentarem a demanda por conectividade e a infraestrutura de banda larga disponibilizada pelas empresas de teletransmissão.
Os negócios de VoD são objeto de licenciamento especial dos conteúdos, o que não se confunde e não esgota o comércio realizado em outros segmentos. A perspectiva para a estrutura do mercado audiovisual é a convivência de todos esses segmentos, a despeito de eventuais refluxos no seu desenvolvimento e da redução de sua importância.
A inovação trazida por novas tecnologias pode justamente eliminar falhas de mercado ou resolver problemas regulatórios, fazendo com que a regulação aplicável ao setor anterior tenha que ser revista de forma a garantir um mercado mais eficiente. Exatamente o que ocorreu em diversos outros setores, como o transporte, após os avanços da economia digital.
E O DEBATE REGULATÓRIO?
Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) x Serviço de Valor Adicionado (SVA)
Por alguns anos agora, a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) busca transpor os paradigmas da regulação dos serviços de televisão aos de vídeo sob demanda pressupondo uma assimetria regulatória com desequilíbrios concorrenciais, na prática, inexistente. Essa posição intervencionista é adotada também por alguns projetos de lei, como o PLS 57/2018 e o PL 8.889/2017. Entretanto, essas proposições não consideram a natureza do serviço, que muito mais se assemelha a dos outros serviços over the top.
A TV é um Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), isto é, um serviço de telecomunicações – e, portanto, dependente de outorga ou autorização – cuja recepção é condicionada à contratação remunerada pelos assinantes destinada à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes e canais de conteúdo programado, por dispositivos próprios.
Por sua vez, como reconhece a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), o VoD é um Serviço de Valor Adicionado (SVA), ou seja, uma atividade que acrescenta novas utilidades a um serviço de telecomunicações prévia e separadamente contratado, a internet, que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, independentemente de a oferta de conteúdos ser ou não linear.
O que hoje é considerado por alguns como um tratamento regulatório desigual é, na verdade, resultado natural da dinâmica comercial de cada modalidade, que deve ser respeitada pela regulação pelo princípio da neutralidade, uma vez que não é dever das agências proteger tecnologias consolidadas.
E, importante dizer, qualquer serviço de TV pode facilmente virar VoD. Não há barreiras regulatórias, apenas a competição entre as mais diversas plataformas, que precisam de bons e variados conteúdos para atrair o consumidor.
As propostas intervencionais buscam copiar e colar as exigências de cotas e proeminência de conteúdo audiovisual nacional das televisões aos vídeos sob demanda. Essas medidas foram originalmente adotadas em razão de uma limitação física e temporal para a exibição de conteúdo nos cinemas e nos canais disponibilizados pelas operadoras de televisão. O que, como visto, não é a realidade dos vídeos sob demanda, nos quais se tem um espaço ilimitado a ser preenchido e constantemente atualizado com grande diversificação de produtos de modo a contemplar as preferências do maior número possível de usuários.
A Racionalidade dos Catálogos sob Demanda
Os catálogos buscam fornecer uma mistura ampla de conteúdo, licenciando títulos de menor e maior sucesso em nível local, regional e mundial para satisfazer a demanda dos consumidores. Como os conteúdos são licenciados para adicionar valor aos catálogos, a tendência não é a concorrência entre os títulos, mas a solidariedade.
Os contratos de licenciamento de obras brasileiras, em regra, são feitos a preço fixo, independendo do número de acessos, o que torna mais rentável a oferta de obras independentes, não apenas as de sucessos de bilheteria, e também transfere ao provedor o risco comercial e o interesse em apresentar tais títulos para recuperar os investimentos. Isso quer dizer que mesmo conteúdos de nicho, sem grande audiência, podem se tornar economicamente rentáveis no modelo atual, assumindo que a disponibilidade desse conteúdo não seja represente novos custos.
Em vez de fomentar a produção nacional, a imposição de cotas poderia pressionar a dimensão dos catálogos para baixo, pois, para cada título adicional, aumentaria a obrigatoriedade de licenças suplementares, elevando significativamente os custos e, consequentemente, o valor do serviço.
O VoD também viabiliza diferentes canais de escoamento para o conteúdo nacional, inclusive através de processo de internacionalização. Da mesma forma que consumidores brasileiros passaram a ter acesso a obras de nacionalidades variadas, usuários de diversos países passaram a consumir conteúdo brasileiro.
Para a OCDE, a ausência de atenção na construção de políticas públicas para esses serviços é um obstáculo para a promoção da inclusão, do pluralismo midiático e da diversidade. Ainda, a Organização recomenda que o primeiro passo para a criação de um ambiente favorável para as plataformas é a execução de reformas regulatórias e institucionais que tornem evidentes direitos, obrigações e prerrogativas de cada serviço e de cada plataforma, promovendo, assim, um ambiente de mercado dinâmico e favorável à existência desses serviços.
E a Tributação?
Como ocorre com todas as grandes inovações tecnológicas no Brasil, a indefinição regulatória, sobretudo tributária, sobre o vídeo sob demanda ameaça a prosperidade e os ganhos sociais do serviço.
Enquanto o SeAC está sujeito à incidência do ICMS, o SVA está incluído lista do ISS. Essa diferença é consequência das naturezas distintas de cada um dos serviços, bem como da atuação de cada um em seus respectivos mercados nos quais não concorrem diretamente, o que justifica a adoção de alíquotas e mesmo tipos de tributos diferenciados.
Contudo, a discussão não se encerra aqui. A ANCINE entende que a cobrança de CONDECINE é devida sobre os serviços de vídeo sob demanda. Por sua natureza jurídica, a contribuição somente poderia ser cobrada de quem se beneficiaria dela, sendo sua única finalidade o fomento e o financiamento direto do setor audiovisual brasileiro e seu produto da arrecadação alimenta o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
Apesar de louvável o objetivo, os resultados desse modelo de arrecadação são ineficientes, pois a arrecadação supera substancialmente o montante aplicado, existindo um volume significativo de recursos não utilizados, devido a contingenciamentos fiscais. Dessa forma, o aumento da arrecadação não implica necessariamente em um impacto verdadeiramente benéfico para o mercado audiovisual.
A CONDECINE se distingue em três tributos diferentes, se considerados fatos geradores, bases de cálculo e sujeitos passivos da obrigação tributária. Pelas regras atuais, sua vertente mais complexa e juridicamente questionável é aquela cobrada dos chamados outros mercados por cada título presente nos catálogos.
Entretanto, todos os envolvidos – reguladores e regulados – estão de acordo que as regras vigentes são inaplicáveis e podem impedir a viabilidade das atividades de vídeo sob demanda. Com as regras atuais, um valor fixo – que pode chegar a R$ 7 Mil/Obra – é devido sobre a oferta de cada título dos catálogos e nivela os serviços sem considerar os resultados econômicos, a dimensão, a composição e o valor dos catálogos em si.
Isso gera um flagrante desestímulo à inclusão de muitos títulos nos catálogos, em especial os conteúdos considerados menos atrativos e menos populares. Estima-se que mais de noventa por cento dos títulos nacionais seriam prejudicados.
Antes de redesenhar as dificuldades técnicas de um modelo aparentemente ineficiente, as discussões de uma reforma do sistema tributário podem tornas essas medidas desconexas com essa realidade, correndo o risco de nascer já ultrapassadas.
A iniciativa de regulação tributária para o setor é algo que vai na contramão das recomendações da OCDE, que incluem uma agenda de redução de gasto público e burocracia, além da facilitação da realização de negócios no país e da possibilidade de investimentos estrangeiros.
As melhores práticas regulatórias atuais adotam políticas de incentivo, mais adequadas aos modelos disruptivos da economia digital cujos contornos ainda estão sendo desenvolvidos em todo o mundo. A combinação de eventuais incentivos à realização de investimentos diretos na indústria nacional ou ainda à disponibilização de títulos brasileiros pelas plataformas pode ser estudada como alternativa para a promoção mais eficiente da cultura do país do que o atual modelo restrito a exigências tributárias.
Por todas as razões acima expostas, o PL 8.889/2017 deve ser REJEITADO.